O problema das missas temáticas (Cura e Libertação e outras)
A Santa Missa
A Igreja entende que a celebração da missa é o “centro de toda a vida
cristã[1]”.
A missa é tanto a Ceia do Senhor como a atualização do Seu sacrifício da cruz.
Pela missa participamos no único e derradeiro momento sacrificial de Jesus. É o
momento de fazermos memória do ciclo da vida, paixão, morte e ressurreição de
Nosso Senhor.
A Santa Missa é o momento em que nos encontramos com o Senhor, de modo
pessoal e comunitário. Pela unidade do mistério celebrado, a Igreja toda está presente:
é o local da plena comunhão dos santos. Além de ser sacrificial, é a celebração
da vida. A ressurreição que é festejada em cada missa e, de modo intenso, aos
domingos. É ceia sem deixar de ser sacrifício; é morte sem deixar de ser
ressurreição.
Missa e maturidade da fé

Recordo a prática dos primeiros cristãos. A missa era vivenciada em
dois momentos. O primeiro momento era público, qualquer pessoa participaria
inclusive os não cristãos ou não batizados. Por meio do anúncio da Palavra todos
eram instruídos. Àqueles que desejavam ingressar “no Caminho” (expressão dos
primeiros cristãos para aqueles que se decidiram por aceitar a Fé Cristã), era
oferecida a catequese. Esta catequese era primeiramente querigmática. Era um
modo de se proporcionar uma vivência pessoal com Jesus Cristo. A catequese não
era apenas a transmissão de saberes e dogmas, antes era um momento de se fazer uma
experiência com a pessoa de Jesus Cristo e seu amor. Ainda na catequese, após
este despertar da fé e para a fé, vinham os elementos doutrinários. Uma vez
certificado que estas pessoas possuíam maturidade cristã, eram lhes conferidos
os sacramentos. Agora sim eles poderiam participar no segundo momento da missa,
aquela parte que hoje chamamos de liturgia eucarística.
Um espaço vago
Por muito tempo a Igreja no Brasil (digo no Brasil por ser a realidade
que conheço) se concentrou em ser estritamente sacramental. Todas as atividades
das igrejas apontavam para algum sacramento. Este costume, de certo modo, ainda
permanece hoje em dia. Reparemos nos cursos de noivos que, muitas das vezes,
são encontros para se dar o “certificado para a celebração do casamento”.
Aliás, analisemos também os cursos de batismo que se resumem a um encontro de
algumas horinhas onde se fala sobre como deve se vestir para a cerimônia e em qual
momento se deve acender a vela. A catequese, de modo mais amplo, em muitos
lugares ainda possui a estrutura de curso: transmite-se saberes para que se
possa chegar à Eucaristia ou à Crisma de modo que os catequizandos “saibam o que
estão fazendo”.
Deste modo, uma ação eclesial estritamente voltada para a celebração dos
sacramentos não conseguia proporcionar uma vivência cristã em vários sentidos.
O anúncio querigmático era raro. Deus era apenas um conceito e a missa um
evento protocolar social. Com o passar dos anos a própria ação eclesial dos
bispos, padres e religiosos no Brasil foi sendo renovada. O clero percebeu
rápido esta lacuna. A missa se resumia, em muitas comunidades, a um ritualismo
sem vida e algo precisava ser feito.
A resposta ao espaço vago
A sensibilidade pastoral de muitos padres agiu rápido. Era necessário
fazer algo para que a Fé fosse despertada. Jesus precisava ser vivenciado. A
ressurreição precisava ser um evento salvífico. Contudo, o único modo de agir
que as comunidades entendiam eram as celebrações rituais. Uma ação extra-missa
não parecia ser conhecida (ou se era conhecida, era pouco estimulada).
Refiro-me aqui a experiência de oração, a momentos de intimidade e de
espiritualidade. Sabemos que houve inúmeros movimentos que preenchiam esta
lacuna, mas de um modo geral, não era esta uma ação comum a todas as
comunidades.
Uma proposta de evangelização
A missa, neste momento, é reinterpretada. Não aquela missa dos
teólogos e liturgistas, mas a missa das comunidades com povo. Todos os elementos que deveriam
ocorrer antes da missa para despertar a Fé agora são inseridos dentro do rito.
As rubricas litúrgicas são relativizadas em nome de uma “sensibilidade pastoral”.
A emoção e o afeto passam a ser despertados pelos inúmeros cantos e orações
inseridas. A missa passa a ter um tema para que estes “elementos novos” sejam
valorizados. As pessoas passam a ser evangelizadas dentro da própria missa.
Reitero que esta ação evangelizadora, querigmática e afetiva, deveria
ocorrer antes da missa. Deveria ser um itinerário de tal modo que a missa fosse
celebrada em toda a sua riqueza e em toda a sua compreensão. Contudo, devido algumas
lacunas da ação evangelizadora, a própria missa virou o centro de evangelização
e de despertar da fé. Já que as pessoas chegam na missa sem tal evangelização, esta evangelização passa a ocorrer dentro da própria missa.
São notadas duas consequências. A primeira é que os participantes destas
missas têm sua espiritualidade nutrida de algum modo. Inúmeras pessoas são
despertadas na fé. Muitos que haviam abandonado a prática religiosa retornam às
missas dominicais. Outras tantas passam a frequentar mais do que uma missa na
semana. Como resultado tem-se o engajamento pastoral e evangelizador destas
pessoas despertadas na Fé dentro da missa. Deus não é mais celebrado como
conceito, mas cultuado como Pessoa.
A segunda consequência é a relativização das normas litúrgicas. Vira
comum o ditado “a cada sacristia, uma liturgia” se referindo a um modo próprio
de cada comunidade ou de cada padre presidir a Santa Missa. Despertar a emoção
e afetividade das pessoas se torna o principal objetivo. A percepção de unidade
de rito é deixada de lado para que se siga “os impulsos do Espírito”. O
silêncio deixa de ser praticado. Euforia vira a norma em muitos lugares. Surgem
cada vez mais nomes de missas como estratégias de mercado religioso. A
participação ativa dos fiéis começa a ser entendida como “todos podem tudo”. E
a sobriedade da missa, a homilia mais madura e as orações rituais se tornam “capricho
dos tradicionalistas”.
Proposta
Percebo que se deve por em prática o pedido dos Papas e da CNBB de que
a Igreja, de modo especial as paróquias, se tornem menos sacramentalistas e
mais evangelizadoras e comunitárias. Não digo que se deve acabar com todas as
missas das paróquias, não é isso. Digo que as atividades das comunidades devem
proporcionar estes elementos de evangelização que as “missas de cura” assumiram
para si. Após este despertar na Fé, que a espiritualidade seja vivenciada e
proposta pelas próprias comunidades paroquiais, e não apenas pelos movimentos
apostólicos. Que os momentos de oração e de vivências cristãs sejam rotina
dentro das atividades da paróquia. É preciso nutrir as várias dimensões da Fé
para que a missa volte a ser o que ela é: ceia e memorial da paixão, morte e
ressurreição do Senhor.
Para que toda a assembleia seja participante ativamente, não é
necessário inserir inúmeros cânticos ou orações “extras”. Contudo, estas
demandas espirituais, emocionais e afetivas da religiosidade precisam ser
nutridas de alguma forma, e antes da missa. No fundo, o itinerário é bíblico e
foi proposto por Paulo. Na carta aos Romanos, Paulo faz uma série de
questionamentos cujas respostas se relacionam causalmente: “Mas como poderiam
invocar aquele em quem não creram? E como poderiam crer naquele que não
ouviram? E como poderiam ouvir sem pregador” (Rm 10,14).
Por fim, compreendo que o itinerário que deve ser feito para que se
vivencie a missa no modo pelo qual a Igreja propõe é este:
- Haver o anúncio querigmático, uma pregação para que a Fé seja suscitada. Este anúncio deve ser vivo e envolvente. Que fale todo ser humano e ao ser humano todo, em todas as suas dimensões e demandas.
- Esta Fé suscitada deve ser amadurecida por uma boa catequese. Catequese que prossiga com o anúncio querigmático, fornecendo elementos de aprofundamento da doutrina.
- A Fé amadurecida desperte a oração. Esta oração entendida em amplo significado. Contudo, que os fieis sejam educados para a participação plena da missa e da missa plena. Na sobriedade que os ritos propõem, incluindo os símbolos próprios da missa e sua dimensão sensitiva.
- A oração tenha como pressuposto aquilo que se crê.
- Enfim vivenciar aquilo que foi rezado e crido.
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