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24 de março de 2010

Fé e conversão

Muitas vezes, decidimos fazer algo porque foi o amigo ou a pessoa querida quem propôs a nós. Nos chamaram para uma viagem que não queria ser feita, um passeio num lugar que não queríamos ir e pela insistência do amigo, acabamos indo. Uma atitude ou decisão que relutamos em tomar e numa palavra, por ser dita pela pessoa certa, faz com que mudemos de opinião ou darmos os primeiros passos. A amizade tem em si este "poder misterioso" de convencer sem - algumas vezes - dizer palavra alguma ou argumento algum.



Tenho partido do pressuposto que Deus é amigo, o meu amigo, o seu amigo. Ele tem uma proposta, uma forma de vida que, muitas das vezes, não é tão parecida com a que temos vivido até o momento. A proposta do amor, perdão, partilha, fraternidade, humildade, igualdade e tantos outros valores que entram em choque, cara a cara, com o nosso modo de vida, o que exige de nós duas atitudes que se complementam sem se excluírem ou se sobreporem uma a outra: fé e conversão.

Já falei algumas vezes sobre fé. Fé não é um sentimento bom, uma boa sensação, um arrepio que nos traz a certeza de que Deus está presente, naquele momento. Tsc tsc. Fé é o ato de aderir ao plano de Deus. É tomar consciência de Deus, seu plano de Amor, seu Reino e concretizá-lo em minha vida. Entender a fé como "crer em algo que não se vê" não pode ser remetido a vida pós-morte, mas sim como valores e realidades de amor que não vemos aqui, no presente de nossa história e que com nossa fé podemos concretizá-los, conseguindo trazer estes valores para o nosso dia-a-dia.

Conversão

A fé sendo compreendida enquanto adesão já provoca em nós a conversão (isso quando a fé é verdadeira, consciente e sincera). Uma das palavras no grego usada para conversão no Novo Testamento é o termo metanóia. Metanóia significa mudança de mentalidade, da forma de pensar e ver o mundo.

Conversão, antes de tudo, é a mudança de nosso interior que influi nos aspectos exteriores. Conversão não é prática religiosa, no sentido de apenas cumpri-la, de forma vazia, sem profundidade. Conversão não é realizar atos que são ditos serem bons. É, antes de tudo, a mudança do interior, do modo pelo qual vejo o mundo e assim, compreendendo-o de forma nova, com todas as coisas no seu devido lugar, gera-se uma atitude nova. Muitas vezes entendemos conversão como adesão às práticas, tornando tanto a conversão como as práticas em coisas superficiais.

Já se perguntou porque jejuamos? Ou rezamos o terço? Ou mesmo praticamos atos bons? Porque e como buscamos a santidade? Muitas das vezes as respostas tem sido: "porque ouvimos serem assim"; ou "porque vi que aquele santo fez assim", tornando aquilo que é bom em si mesmo algo superficialmente bom em nós. O primeiro passo da conversão, e o necessário para todos os outros, é a mudança do interior, do modo pelo qual vemos e compreendemos o mundo, as pessoas, a Deus e a si próprio. Não é a prática pela prática, mas a prática enquanto consequência da mudança radical que há em nosso interior.

Veja: há tantas pessoas que entram no chamado processo de conversão mas, tão logo, o abandonam. Porque entendem a conversão como um movimento de fora, que se torna pesado, sem raízes ou profundidade. A conversão verdadeira surge do interior, é enraizada em nós, consciente. Passo a passo pratico atos de amor, de fraternidade, de oração...

Busquemos a mudança do essencial, à partir do ensinamento de Cristo, e deixemos que o superficial seja tão simplesmente a transparência do que ocorre em nosso interior.

Em Cristo!

3 comentários:

  1. Olá, Henrique
    Certamente a metanoia é processo lento mas fazer a Vontade do nosso DEUS AMIGO é sempre a nossa melhor opção de vida.
    Bom Discernimento pra nós!

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  2. Nossa Henrique, quanta indentificação com o que você expôs hoje.
    Achei muito útil tudo que você escreveu, pois posso perceber de modo geral, que estamos dentro da Igreja cheios de boas intenções e de bons propósitos, mas apesar disso corremos o risco de não buscar o essencial(já até comentei isso na sua última reflexão). Eu diria que isso é um perfeito engano, como se fosse uma armadilha mesmo , que a gente demora para perceber muitas vezes.
    É como se a minha essência, aquilo que é a minha realidade, a minha mentalidade, ficasse velada por uma aparência que não revela quem sou de verdade; pensamos assim..."bom..vou à Igreja, vou à Missa, às vezes até todos os dias, estudo, leio, prego..." e mais um monte de coisas importantes eu diria! E aquele sujeito é tão dedicado, tão esforçado, que parece que está tudo certo.
    Primeiro ponto, acho ótimo, aliar fé à conversão e geralmente é assim que é feito; podemos olhar para história de Abrãao e ver que Deus tinha uma série de projetos para vida dele, e que com certeza a conversão era um deles; você falou sobre fé ser uma adesão, e quando Abraão faz essa adesão ele se põe a caminhar, e é nesse caminhar que acontece a conversão, então podemos concluir que onde há fé há um caminhar, certo?
    Ok!Um caminhar não somente rumo a um monte de aitudes externas que fazem parte, como você disse, mas que só são caminhos rumo à concretização gradual, lenta, dessa tal mudança de mentalidade, que ao meu ver caracteriza a conversão em si.
    Gosto também de quando fala que, a proposta de Deus nos coloca diante de algo que se difere totalmente dos nossos valores reais, daquilo que somos no nosso dia a dia, da forma como pensamos, enfim, é praticamente um choque de realidades(ah..aqui preciso dizer, abaixo ao moralismo!)
    E como é importante nós conhecermos essa nossa realidade; Deus quiz provar o povo no deserto, depois que eles sairam do Egito, para conhecer aquilo que havia no coração deles, e nesse momento, eles também puderam perceber aquilo havia nos seus corações, e de repente ainda não tinham visto; isso é maravilhoso, pois muitas vezes medimos a nossa
    santidade pelas coisas que fazemos, como você disse e eu já concordei aqui, e quando nos damos conta do que realmente está no nosso coração, de quem somos de fato, das nossas más inclinações, das nossas más intenções, e de que muito do que há em mim está tão longe de ser aquilo que a proposta da conversão me pede, vou parar e pensar: horas bolas! Aonde afinal esse monte de coisas que eu faço está realmente sendo suporte na minha mudança?? Para onde estou indo e o por quê de tudo isso?"; entenda que aqui não se trata de uma super exigência consigo mesmo(bem pq, falei que ao meu ver a conversão é preocesso lento), mas de uma avaliação profunda de sei mesmo, onde com sinceridade podemos reconhecer que, de repente a proposta foi feita, mas algo falhou, e na minha vida essa conversão ainda é só um projeto distante.
    Se de fato reconhecemos que há uma diferença brutal da mentalidade e dos sentimentos de Cristo, para a minha mentalidade e para os meus sentimentos, o meu alvo já não é mais aquilo que faço e sim a repercurssão que aquilo faço tem em mim.
    Xiii...acho que falei mais que você né?! É porque o assunto é muito rico demais.Termino dizendo, que focar minha conversão, na mudança da minha mentalidade para a mentalidade de Jesus Cristo, e ver essa conversão se concretizar aos poucos.
    Abraços!
    Paulinha

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  3. Olá, Henrique...
    Post interessantíssimo este, hein?!
    Os temas de Fé e de Conversão nem sempre são terrenos tranqüilos pra se caminhar e tentar elaborar uma reflexão plausível a todos. Porém ficam os meus parabéns pela coragem de expor sua opinião sobre os devidos assuntos.
    Com toda humildade, só pra tentar colaborar um pouco mais com sua bela reflexão. No seu livro Teologia da Vida Religiosa, um padre redentorista americano chamado Lourenço Kearns diz que há duas fases de conversão a Deus e à aderência ao seu Reino: a fase receptiva e a fase oblativa.
    A fase “receptiva” é comparável ao estágio infantil do ser humano, onde recebemos tudo de Deus e dos irmãos, etc. Pois o neófito carece de cuidados especiais devido a sua história de vida e tal: semelhante o que ocorre com uma criança, os pais tem que dar alimentos na boca, trocar fraudas e por aí segue a lista... Você já foi neném, então já sabe..rsr
    Já a fase “oblativa” é a fase onde o fiel já se encontra maduro na fé, já não necessitando de respostas às suas dúvidas (estas sempre terão ou mudarão), ele mesmo procurará se nutrir de alimentos sólidos, trabalhará assim para dar um significado à sua fé, etc. Aderi à proposta do Reino conscientemente sabendo das condições e dificuldades que é assumir e aceitar este "absurdo" chamado Evangelho e etc.. Bom, vc já é crescido agora, né?!..kk Sabe o que é correr atrás do pão de cada dia..kkk
    Talvez podemos também fazer uma alusão à Catequese da Igreja. Que, em outras palavras, sublinha estas fases como “opus operantus” e “opus operantis”.
    Opus operantus: diz respeito o que Deus fez através da Igreja pelo seu filho por intermédio dos sacramentos e outros instrumentos de salvação.
    E Opus operantis: agora diz respeito ao que o fiel (entende-se este na sua maturidade) agora fará para anunciar e realizar o Reino proclamado por Jesus. Destarte, este necessita estar consciente e com sua fé madura.
    Em suma, creio que uma das maiores dificuldades dos fiéis (e devido a esta dificuldade, o abandono da fé) de assumir a proposta do Reino é a não clareza desta transição: ou seja, a passagem da fase receptiva à oblativa. Nem sempre é fácil mesmo este amadurecimento: ele é de fato dolorido e exige pré-disposição do crente e também uma boa dose de paciência dos agentes pastorais ou coordenadores. Estes precisam pacientemente respeitar e também colaborar para um amadurecimento sadio de cada cristão que porventura estão sob suas responsabilidades.

    Grande abraço e obrigado por presentear-nos com sua reflexão, parceiro.

    Com grande admiração, Wilson!!!

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