Charlie, você está aí?
Nestes dias eu acompanhei o viral do Charlie Charlie Chalenge, ou o desafio do Charlie Charlie. Saiu das
redes sociais e chegou às salas de aula. Virou febre entre os alunos e os
intervalos das aulas se tornaram verdadeiros encontros com o Charlie. Do riso
ao medo, as reações foram as mais diversas. Há inclusive o caso de uma escola
em Manaus, AM que repercutiu nacionalmente[1].
Quero apontar alguns elementos para a sua reflexão.
A ORIGEM DA LENDA CHARLIE, CHARLIE
O viral divulgado aponta que Charlie seria um demônio mexicano
(não sabia que demônios possuíam nacionalidades). A Maria Elena Navez da BBC
World afirma que não há nenhum demônio Charlie no México[2].
Trata-se de uma invenção americana para assustar pessoas e compor o imaginário
coletivo para uma estratégia publicitária a favor do filme de terror “A Força”
(The Gallows)[3].
O site do IG publicou uma matéria sobre o assunto na sua
sessão sobre “Economia” – apenas para intuirmos os objetivos reais de tal lenda[4]. A
estratégia vem se repetindo várias vezes: divulgam-se cenas como se fossem
reais e as relacionam com o produto a ser vendido. ”Em 2013,
Chiquinho Scarpa movimentou a imprensa ao anunciar que iria enterrar sua
Bentley de R$ 1,5 milhão, no jardim de casa ‘para ter uma vida melhor do outro
lado’. No meio da cerimônia - que foi acompanhada inclusive a partir de
helicópteros - o conde e playboy paulistano anunciou que se tratava de uma
campanha pela doação de órgãos”.
O LADO INOCENTE
Muitas pessoas se convenceram de que o Charlie era mesmo um
demônio. Vítimas da autosugestão, que faz com que você acredite piamente em uma
ideia persistente, tiveram seus comportamentos e suas emoções alterados. Os filmes
fazem isso com a gente: fazem com que a gente chore, com que a gente dê risadas
e com que a gente tenha medo. Ou eu sou o único que tive medo de voltar pra
minha casa, com seus cômodos escuros, após ter assistido um filme de terror?
Eu sigo o seguinte raciocínio. Não é porque um grupo de roteiristas
criou um personagem de nome Charlie (nome comum em alguns países) que ele
exista, de fato. Devemos separar a dramaturgia da vida, a ficção da realidade.
Muitos preferem se render a crença de que se trata mesmo de um espírito do que
acreditar que isso é apenas uma ficção. Como diria um professor nas aulas de
teologia: “se acreditar assim faz bem para você, mantenha a sua crença”. É o
mesmo que tenho pensado e dito para algumas pessoas. Se acreditar que o Charlie
é mesmo um demônio te deixa mais calmo, ok, acredite.
CHARLIE E A SUPERSTIÇÃO
Há algo que, no meu ponto de vista, o Charlie revelou: a
superstição das pessoas, inclusive as cristãs.
“A superstição revela um modo perverso de religião” (CIC 2110). “É o
desvio do sentimento religioso” (CIC 2111). A superstição concede poder ao que
não possui poder ou ainda exagera a capacidade de poder que determinada coisa
ou ser possui.
Entretanto, quando afirmo que o Charlie não é o demônio que
pintaram, não estou excluindo a hipótese da abertura dos indivíduos para o
ocultismo. Vale destacar as palavras de Dom Roberto, bispo da diocese de Campos
de Goytacazes: “Não acho que possa ter algo sobrenatural nisso. Entretanto, a
partir do momento em que a pessoa já tem interesse em invocar espíritos, ela
está sujeita a vários tipos de consequências. O ideal é que os jovens não façam
isso”[5].
A DOUTRINA CATÓLICA
As Sagradas Escrituras nos admoestam a respeito da invocação
dos mortos. Já em Deuteronômio 18,10-14 Deus proíbe que se façam adivinhações e
invocações dos mortos. O Catecismo da Igreja Católica entende que “Todas as práticas de magia ou de feitiçaria
com as quais a pessoa pretende domesticar os poderes ocultos (...) são
gravemente contrárias à virtude da religião (CIC 2117).
Entretanto, há muito risco de se cair nos dois exageros:
negar a ação demoníaca é tão maléfico e trágico quanto afirmar que tudo o que
ocorre tem um “dedinho” do tinhoso.
O Frei Elias Vella, autoridade no assunto, nos adverte a
respeito destes exageros. “Não devemos dar grande importância a todas as listas
com nomes de diabos, como se eles
estivessem divididos em categorias distintas, e todos eles com nomes
diferentes. Já dissemos que os nomes atribuídos a eles não são reais, mas
simbólicos, para indicar a atividade específica deles em nosso meio”[6].
Há de se notar que a Igreja é prudente e possui diversos critérios para que se
conclua uma ação como de possessão demoníaca. Os exorcistas são unânimes em afirmar
que, possessão de fato, encontraram poucos casos, as vezes não passando a
quantidade dos dedos presentes em uma mão.
PARA NÃO CONCLUIR
Ainda estou espantado com o interesse que os adolescentes e
jovens possuem pelo ocultismo. Meu espanto é maior ainda por não saberem as
consequências, espirituais e psicológicas, que tais elementos geram nos
indivíduos. Há casos de crianças que passaram muito mal por conta destas “brincadeiras”.
Também me espanta a rapidez em catalogar como “ação do
capeta” estas ou aquelas ações, sem uma reflexão aprofundada e criteriosa sobre
o assunto. Soa-me algo assim: na dúvida, diga que foi o diabo e está tudo
resolvido.
Por fim, não compreendo a dificuldade de muitos em perceber
que muito disso não passa de uma estratégia publicitária. Talvez seja o mecanismo de
defesa para não se sentirem enganadas ou autosugestionadas. As vezes é melhor
complicar do que simplificar. E em se tratando de fenômenos, quanto mais “espiritualizado”
for a sua explicação, mais verossímil se torna para aqueles que assim querem
ver a realidade.
De uma coisa sei, é preciso amar a Deus com toda a força, de
todo o coração, com toda a alma e de todo o entendimento (veja meu post sobre amar a Deus com o entendimento aqui).
[1] http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2015/05/alunos-alegam-mal-estar-apos-charlie-charlie-e-escola-no-am-convoca-pais.html
Acessado em 31 de maio de 2015.
[2] http://www.bbc.com/news/blogs-trending-32887325
pesquisado em 31 de maio de 2015.
[3] http://cinepop.com.br/brincadeira-com-o-espirito-charlie-e-jogada-de-marketing-do-terror-a-forca-97264
[4] http://economia.ig.com.br/2015-05-30/era-tudo-marketing-veja-mais-pegadinhas-que-viralizaram-como-charlie-charlie.html
Pesquisado em 31 de maio de 2015.
[5] http://www.noticiaurbana.com.br/religiosos-de-campos-e-ciencia-alertam-sobre-fenomeno-mundial-charlie-charlie-assista-aos-videos/
pesquisado em 31 de maio de 2015.
[6] VELLA, Frei Elias. O anticristo. Quem é e como age. São Paulo: Palavra e Prece. 2006. p. 134.
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